O Brasil, juntamente com o Peru, foi um dos primeiros locais da América do Sul onde se materializou a ideia de cultivar vinhas para fazer vinho, completando assim a extensão da ideia de civilização na Europa. Mas depois de inúmeros fracassos ou tentativas improdutivas, o Brasil não era visto como uma ameaça para os vinicultores portugueses em seus modestos começos. O Brasil nasceu com o Rio Grande do Sul pertencente à Espanha e depois da União Ibérica continuou sendo aquela região de contrabandistas e aventureiros. Após a saída da União Ibérica, os produtores de vinho portugueses fizeram acordos desvantajosos com os ingleses, ofereciam vinhos (que a Inglaterra não podia produzir) por produtos têxteis ingleses, o Brasil poderia produzir algodão. Esta foi a origem do subdesenvolvimento estrutural de Portugal. A medida levou à proibição da produção de vinho no Brasil pela Rainha D. Maria I.
Com Pedro I e Pedro II vieram as colonizações européias que apostaram na uva norte-americana Isabel que deixará no paladar popular uma tendência ao vinho adocicado. Após a Segunda Guerra Mundial, eles buscaram no exterior o doce vinho alemão feito a partir da uva Riesling, e durante a ditadura militar houve protecionismo econômico onde o vinho importado não chegava. O vinho estrangeiro só poderia existir se as empresas estivessem estabelecidas no país.
Em tempos democráticos Collor de Melo foi o Menem dos brasileiros, fez uma abertura neoliberal desordenada do vinho importado e muitos, após esse impacto econômico, tiveram que refazer sua produção de vinho. Os filhos dos imigrantes mais ricos foram estudar no exterior e o país teve que apostar em novas universidades para aprender sobre vinhos.
O consumidor brasileiro com todos esses caminhos tortuosos de sua história ficou desorientado. É por isso que os complexos de superioridade e inferioridade estão sempre na balança de suas representações. Enquanto muitos brasileiros acham que o vinho importado é sempre melhor que o vinho nacional, muitos do sul acreditam que eles são superiores aos do norte, sempre se baseando em preconceitos sociológicos generalizados.
Por outro lado, existe uma classe média que só consome vinho industrial importado, e não entende que grande parte do vinho brasileiro é um produto gourmet, com muito controle e de produtores cheios de exigências. Uma vinícola brasileira muitas vezes precisa de 7 licenças para produzir, e se alguma delas estivesse nas condições de higiene e manuseio de uma vinícola europeia, ela seria automaticamente fechada pelo Estado brasileiro. Por isso, a única forma de ser uma pessoa culta no mundo do vinho é conhecer a fundo a complexidade do vinho brasileiro, que deixou grande parte da literatura mundial desatualizada com seus dogmas regionais. Pois bem, foi neste país que a enologia mais avançou e deu saltos de qualidade, com vinhos tropicais e colheitas de inverno.
O vinho brasileiro tem tudo para ser o melhor vinho do mundo, só que não deve abandonar, como o vinho faz em outras partes do mundo, a filosofia e a história. Sabendo que o vinho não é uma receita de cerveja e que é uma bebida cultural, a mais cultural de todas do planeta Terra, porque o vinagre pode ser uma bebida natural, o vinho é sempre uma bebida de intervenção humana de conhecimento herdado.
Quando as primeiras páginas do Antigo Testamento estavam sendo escritas, na Ásia dos grandes primórdios, a cultura do vinho já existia há milhares de anos, com deuses e ritos antigos. .
O vinho brasileiro tem duas grandes vertentes: uma vem de Portugal e, além disso, o Brasil já era a capital de Portugal no Rio de Janeiro com João VI e essa foi a primeira independência do Brasil. Voltando à primeira fonte, são conhecidas múltiplas representações de Baco, desde a ocupação romana do atual território português, destacando-se o célebre “Mosaico das Musas”, da villa romana de Torre de Palma, Monforte, onde se encontra “o Triunfo” representado, índio de Baco. O triunfo de Baco na Índia: Na mitologia é conhecida esta grande viagem que Baco fez pelo Oriente, até a Índia. Ao retornar, vitorioso, ele é acompanhado por uma comitiva, incluindo Silenus; bacantes; ninfas; Sátiros e até o deus Pan. Baco, o equivalente ao deus grego Dionísio, foi uma das divindades que mais expressão teve na Lusitânia romana. Camões incorpora este deus do vinho na sua literatura épica onde narra a chegada dos portugueses à Índia.
A outra faceta do vinho brasileiro vem dos italianos do norte, descendentes dos etruscos. Os etruscos aprenderam a fazer vinho com os fenícios quando o Império Romano ainda não existia.
Essa é a história universal do vinho brasileiro que deve ser resgatada, pois são dois grandes legados universais, é importante destacar que seus ancestrais estiveram nas duas grandes fontes do vinho universal.
Guillermo César Gómez
Jornalista catadelvino.com
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